segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bend of the River (1952)

Há uma cena neste filme toda construída para um plano pormenor duma roda de madeira a desencaixar da carroça, numa travessia. Conforme progride, a câmara capta a instabilidade do terreno e a iminência da catástrofe. Não me parece que a cena seja sintomática seja do que for, não é uma "tese", não é uma "marca", mas parece-me que todo o filme trabalha este conceito.

A primeira parte do filme constrói os contextos e relações que tem que construir para, perto dos 50 minutos, começar a explodir. Mas devagar. Quando James Stewart chega àquela cidade suja e corrupta.. O ouro muda a cidade e Stewart tem que roubar, pegar no que é dele, fazer uma travessia pelo rio e pelos montes até ao povoamento que espera os mantimentos do Inverno. Os mantimentos e a viagem estão sempre suspensas por um fio, sempre à beira do colapso e da catástrofe. Enquanto "nada" acontece, vemos: as pedras soltas, o céu azul, entraves para o percurso, não há poesia ambiental em Mann, a natureza assume um papel muito prático e destrutivo; as conspirações do grupo de mineiros para roubar os mantimentos, entre risos e conversas; e, sobretudo, a relação McLyntock-Cole (James Stewart e George Kennedy) a intensificar-se, progressivamente, até ao ponto de quebra: a terrível vingança de McLyntock.


É por estes parcos 25 minutos que tudo o resto ganha significado, são a consequência da pena de McLyntock por Cole e do salvamento da forca, no princípio do filme. Dois homens com o mesmo passado criminoso, dois homens que se compreendem, dois homens capazes do terrível. Por todas as diferenças de resultado ou intenções, a traição de Cole não é mais terrível que a caça ao homem de McLyntock. Só Mann filmar isto, assim, e com esta consciência, fá-lo dos dez melhores westerns dos anos 50. O embate nos rápidos é violentíssimo, e não há carga de porrada em filme, semelhante. Tudo montado para fazer perceber a força da água, bem como daqueles dois homens: veja-se quão rápido é levado Cole pela corrente logo que perde os sentidos, veja-se o apuro do que é fazer o espectador perceber tudo isso... que há forças e forças.. e contra algumas pode-se pouco..

Como todo o grande western, diz que há viagens que nos moldam, mas que a maior das viagens, para o bem ou para o mal, é no íntimo, no interior de cada Homem.. no saber se se está vivo ou morto.



João Palhares (Cine Resort)

2 comentários:

  1. O Western é um dos géneros que menos conheço. Em miúdo nunca me suscitaram muito interesse até que vi o Bom, o Mau e o Vilão.

    Não posso portanto fazer juízos de comparação entre estes filmes, pois conheço muito poucos e aproveitei por isso mesmo esta tertúlia para colmatar a falha.

    Gosto particularmente da tua analogia inicial do texto. O filme vai realmente desenvolvendo-se a seu passo para rebentar no final tal como na carroça.

    A relação entre McLyntock e Cole pode não ser de uma irmandade como a de um Obi-Wan ou Anakin Skywalker, mas nota-se que rapidamente se cria uma empatia.
    Cole não acredita na mudança de McLyntock, considera que eventualmente o seu passado irá apanhá-lo. O que nos leva logo a concluir que Cole não vai mudar. Mesmo assim são várias as oportunidades que este tem de ir pelo caminho fácil e mesmo assim mantém-se fiél a McLyntock, ajudando-o. Só mesmo no final a febre do ouro prova ser mais forte.
    E aqui é interessante ver a cidade antes e após a febre do ouro. Quando McLyntock regressa, tudo mudou.

    Depois fica o final. McLyntock diz a Cole que prefere um obrigado sincero do que o dinheiro dos mantimentos. Esse obrigado chega no final. Missão cumprida e tal sentimento não tem preço. É mais poderoso do que qualquer ouro no mundo. McLyntock sabe-o, Cole não.

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  2. O final é um final típico daquele contexto de produção.. o que não é propriamente mau, mas o que mais "gozo" me dá ver aqui é o papel do Stewart, como o Mann pega no símbolo americano que ele era com o Capra e com outros realizadores e o vira do avesso, brutalmente.. Nas outras parcerias dele com o Mann, o Stewart é sempre um homem com um passado criminoso, e capaz das maiores atrocidades. Sempre com a justiça na cabeça, e sempre com o bem como objectivo, mas há alturas em que toma o gosto pela violência, em que fica cego e vai longe demais... Esse grande plano acho que é exemplo disso, é o criminoso violento a vir ao de cima, o vingador implacável..

    Deixo aqui alguns textos que acho interessantes, sobre o realizador e os filmes:

    http://ocinemaeapessoa2.wordpress.com/2010/05/10/a-invencao-do-cinema-sobre-anthony-mann/
    http://multiplot.wordpress.com/especiais/especial-anthony-mann/
    http://raging-b.blogspot.com/search?q=anthony+mann
    http://www.jonathanrosenbaum.com/?p=6214

    O Godard também tem uma crítica fabulosa ao Man of the West mas que não consigo encontrar por aí..

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