quinta-feira, 21 de abril de 2011

Un Homme et une Femme (1966)


Vencedor de dois Óscares – Melhor Filme Estrangeiro e Melhor Argumento Original – e nomeado para outros dois – Melhor Actriz (Anouk Aimée) e Melhor Realizador (Claude Lelouch) – em 1967, “Un Homme et une Femme” é um sublime retrato não apenas do amor entre duas pessoas, com bagagens emocionais e demónios pessoais próprios, mas do próprio conceito do amor. A dada altura, a personagem de Jean-Louis Trintignant, um piloto profissional e pai solteiro, profere a frase “é louco recusar a felicidade”. Esta história de duas almas torturadas que se encontram mutuamente poderia perfeitamente ser um clássico romântico de Hollywood, em que duas pessoas se apaixonam, passam por uns problemas e acabam felizes para sempre. Mas não é. É antes um ensaio sobre a impossibilidade de encontrar a felicidade plena (se é que esta existe) quando se é assombrado pelo passado. Jean-Louis e Anne, o homem e mulher do título, não se apaixonam do dia para a noite, mas sim através de um lento e orgânico processo, por meio de olhares e mãos dadas. E se qualquer outro filme não hesitaria em saltar da mesa para a cama, Lelouch prolonga os olhares, adiando o pay-off e complexificando a relação e os passados das suas personagens. Tudo isto culmina na mais famosa cena do filme, em que Jean-Louis, depois de completar o Rally de Monte Carlo, recebe um telégrafo de Anne, finalmente pronta para lhe dizer que o ama. Ele volta para o seu carro, conduz Europa fora até chegar a ela e os dois fazem amor pela primeira vez. Lelouch interrompe a cena com imagens de Anne com o seu falecido marido, deixando claro que o seu corpo está com ele mas a sua mente ainda é devota a outra pessoa. Jean-Louis apercebe-se e os dois seguem caminhos diferentes. É de uma beleza agridoce capaz de partir corações em centenas de pedaços.A história de “Un Homme et une Femme” é fascinante, mas não tanto quanto as escolhas narrativas e estéticas de Lelouch. Em várias ocasiões, ele abstém-se de diálogo em substituição de flashbacks, música e comentários de corridas. Esta recusa do que é dito em prol do que é mostrado torna a nossa projecção nas personagens muito fácil, com a imagem de duas pessoas a conversar com música no fundo a puxar-nos para a sua interacção sem nos distrairmos com o que estão a dizer. A cena em Monte Carlo em que Jean-Louis recebe o telégrafo é provavelmente o melhor exemplo desta intimidade por meio apenas de imagens; Lelouch põe a câmara numa varanda e filma tudo num ininterrupto plano afastado, com Jean-Louis a ler a mensagem, a levantar-se da mesa e sair do salão. Não ouvimos rigorosamente nada, mas sabemos na perfeição o que está a acontecer. Outra famosa escolha de Lelouch é a mistura de cenas filmadas a cor e a preto-e-branco. Muito já foi escrito e discutido sobre esta “opção”, com várias teorias a defenderem que o p/b era suposto representar a realidade e a cor uma versão alternativa desta, mas a resposta é de uma simplicidade quase desapontante. O orçamento do filme era modesto e filmar a cores em 1966 era caro, mas o mercado americano exigia cor. Lelouch, servindo-se do apoio de um investidor, decide filmar os interiores em preto-e-branco, como planeara, e os exteriores a cor. E voilà, Que esta escolha forçada tenha causado tal discussão e tenha influenciado tantos cineastas posteriormente (de Woody Allen a Wim Wenders), é o resumir perfeito daquilo que a Nouvelle Vague alcançou com uns tostões no bolso e uma vontade enorme de contar histórias.



Pedro Ponte / Ante-Cinema

3 comentários:

  1. Eis uma boa ocasião para rever este fantástico filme!

    Cumps cinéfilos a toda a tertúlia!

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  2. Cheguei a este filme quando estudava na Alliance Française para um exame de francês, já foi à uns tempos, mas é facto inesquecível. A realização e cinematografia são magistrais, e há que realçar a fantástica trilha sonora! Cativante. Está excelente a tua análise, parabéns.

    Sarah
    http://depoisdocinema.blogspot.com

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  3. Espero que sim, Sam. A intenção era precisamente incentivar quem ainda não o viu a fazê-lo e recordar os que já viram desta grande obra, muitas vezes esquecida. Obrigado, Sarah. O input da banda-sonora é muito pertinente; é realmente fabulosa.

    Cumprimentos.

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