sábado, 7 de julho de 2012

O Mumblecore Americano

Movimento não-oficial e produto do século XXI por excelência, o mumblecore nasceu um pouco como consequência natural das facilidades e vantagens que o digital trouxe ao cinema. Um pequeno grupo de pessoas, todos eles americanos, que haviam claramente crescido com os filmes de Richard Linklater e Noah Baumbach, que por sua vez se haviam inspirado em John Cassavetes, Bergman, Godard e na Nouvelle Vague em geral, aperceberam-se, pela primeira vez (e alguns anos depois de Blair Witch Project), que não precisavam de dinheiro para fazer um filme. Bastava-lhes uma câmara digital e amigos/familiares para compor o elenco, e as histórias que queriam contar podiam ser filmadas. Este grupo, que rapidamente se tornou num colectivo, incluia Andrew Bujalski, (cujo primeiro filme, "Funny Ha Ha" (2002), é considerado o primeiro filme mumblecore), Mark & Jay Duplass, Aaron Katz, Lynn Shelton, Ben & Joshua Safdie, Joe Swanberg, Greta Gerwig e outros que surgiriam nos anos seguintes, tinham algo em comum: queriam, todos eles, fazer filmes sobre pessoas. Filmes em que o diálogo – escrito ou improvisado – comandasse, em que tudo fosse natural.

O interesse principal do mumblecore não é necessariamente a qualidade cinematográfica. Nenhum destes filmes será lembrado por qualquer tipo de primor técnico ou de outra ordem; pelo contrário, o interesse surge do facto de serem, sem excepção, filmes cujo foco principal são interacções entre pessoas, muitas vezes em situações desconfortáveis e difíceis com as quais é muito fácil, quase automático nos identificarmos. São filmes individuais, exercícios nauseantes em egocentrismo, por vezes, que seriam garantidamente melhores, como obras, se fossem escritas, realizadas e interpretadas por “profissionais”. Não o são e grande parte do seu charme vem, talvez, daí; são filmes imperfeitos, tentativas mais ou menos conseguidas por parte de miúdos que queriam imitar os seus ídolos. Amador mas honesto. Agora que entramos na segunda metade do século, alguns destes miúdos, já mais ou menos crescidos, começam a conseguir uma projecção internacional que vai para além dos círculos underground de Sundance e SXSW (South by Southwest).
Começam a fazer filmes menos improvisados, menos “underground”, em que o orçamento já não é tão inexistente ao ponto de conseguirem pagar a actores, mantendo a qualidade observadora, capaz de momentos de profundidade e compreensão institiva quase acidentais, que só tem origem na inocência e ingenuidade da juventude.

A representar todo este movimento estão, indiscutivelmente, os irmãos Duplass, exímios a contornar a linha entre o independente e o mainstream, cujo mais recente filme "Jeff, Who Lives at Home" prepara-se para lhes oferecer, ou não, o derradeiro passo em direcção ao estatuto de cineastas. De uma geração diferente, produto de outra época mas em situação idêntica está Lena Dunham, escritora, realizadora e protagonista da nova série da HBO “Girls”, que se tornou, quase de imediato, num sucesso e fenómeno de popularidade tão grande e inexplicável precisamente por englobar tantas características do mumblecore. O mesmo acontecerá, certamente, com outros membros deste grupo estranho e co-dependente, em que toda a gente se conhece, em que num dia se é realizador e no seguinte actor ou produtor. E, acima de tudo, numa altura em que toda a gente pode fazer um filme.



Pedro Ponte (Ante-Cinema)

2 comentários:

  1. Bela escolha! Ocasião para rever e redescobrir o Tiny Furniture.

    Cumps cinéfilos.

    ResponderEliminar
  2. Desconhecia o movimento, fez-me pensar que a série "the League" pode ter o seu quê de mumblecore, série em que está envolvido pelo menos um dos irmãos Duplass.

    abraços

    ResponderEliminar