quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Il Grande Silenzio (1968)


O western spaguetti existia há uns anos, o Leone tinha feito uns quantos, como o Sollima, o Fulci, o Damiani e o próprio Corbucci. E se são todos estimulantes - e digo ao mesmo nível, porque não acho os do Leone superiores em medida alguma - a verdade é que o "petardo" e a singularidade de Il Grande Silenzio não se podiam prever..

Os "floreados" históricos são esquecidos - entenda-se o "romanceamento" da coisa, dos pistoleiros, das situações - e dão lugar a uma brutalidade sem concessões - que era para o que o desencantamento no olhar do oeste de cineastas tão diferentes como Mann, Boetticher e Ford, apontava - que toma forma pela frieza da paisagem e pelos personagens brutos e cínicos que a povoam..

A trama e o cenário até podem fazer lembrar Day of the Outlaw de Andre de Toth, filme fabuloso e algo secreto, mas De Toth não foi longe o suficiente (e quão longe ele foi), não podia.. Se De Toth é melhor cineasta que Corbucci, não sei, quer-me parecer que sim, mas o que de mais virtuoso e veloz existe na câmara do italiano - algo gritante e maneirista, vide Django e Navajo Joe - aqui é contidíssimo e dá lugar a uma coisa mais fluída, como que acompanhando o compasso lento da belíssima banda-sonora de Ennio Morricone.


É provável até que Morricone tenha feito a música antes das rodagens e que a contenção de câmara se deva a isso, como o silêncio e a mudez de Silenzio se devem à vergonha de Jean-Louis Trintignant, actor de Bertolucci, Lelouch, Rohmer, em participar neste tipo de filmes. Verdade é que tudo funciona, às vezes as restrições a que um cineasta é sujeito ajudam-no imenso artisticamente..

(spoilers)

O nome do filme é o nome da personagem do actor francês, mas o filme, esse, é todo de Klaus Kinski, e é uma meditação sobre quão serena e pensada é a aproximação do mal. Retenho o penúltimo plano e o olhar pávido - lúcido, sem remorso algum - de Kinski, a contemplar o massacre e os cadáveres dos mórmons, empilhados como gado no bar, enquanto desaparece com o seu bando pela névoa branca daquela cidade do Utah e o epílogo histórico começa a aparecer ao som do tema de Ennio Morricone..

Peça de género de um lirismo arrebatador.. Obra-prima..



João Palhares (Cine Resort)

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Bend of the River (1952)

Há uma cena neste filme toda construída para um plano pormenor duma roda de madeira a desencaixar da carroça, numa travessia. Conforme progride, a câmara capta a instabilidade do terreno e a iminência da catástrofe. Não me parece que a cena seja sintomática seja do que for, não é uma "tese", não é uma "marca", mas parece-me que todo o filme trabalha este conceito.

A primeira parte do filme constrói os contextos e relações que tem que construir para, perto dos 50 minutos, começar a explodir. Mas devagar. Quando James Stewart chega àquela cidade suja e corrupta.. O ouro muda a cidade e Stewart tem que roubar, pegar no que é dele, fazer uma travessia pelo rio e pelos montes até ao povoamento que espera os mantimentos do Inverno. Os mantimentos e a viagem estão sempre suspensas por um fio, sempre à beira do colapso e da catástrofe. Enquanto "nada" acontece, vemos: as pedras soltas, o céu azul, entraves para o percurso, não há poesia ambiental em Mann, a natureza assume um papel muito prático e destrutivo; as conspirações do grupo de mineiros para roubar os mantimentos, entre risos e conversas; e, sobretudo, a relação McLyntock-Cole (James Stewart e George Kennedy) a intensificar-se, progressivamente, até ao ponto de quebra: a terrível vingança de McLyntock.


É por estes parcos 25 minutos que tudo o resto ganha significado, são a consequência da pena de McLyntock por Cole e do salvamento da forca, no princípio do filme. Dois homens com o mesmo passado criminoso, dois homens que se compreendem, dois homens capazes do terrível. Por todas as diferenças de resultado ou intenções, a traição de Cole não é mais terrível que a caça ao homem de McLyntock. Só Mann filmar isto, assim, e com esta consciência, fá-lo dos dez melhores westerns dos anos 50. O embate nos rápidos é violentíssimo, e não há carga de porrada em filme, semelhante. Tudo montado para fazer perceber a força da água, bem como daqueles dois homens: veja-se quão rápido é levado Cole pela corrente logo que perde os sentidos, veja-se o apuro do que é fazer o espectador perceber tudo isso... que há forças e forças.. e contra algumas pode-se pouco..

Como todo o grande western, diz que há viagens que nos moldam, mas que a maior das viagens, para o bem ou para o mal, é no íntimo, no interior de cada Homem.. no saber se se está vivo ou morto.



João Palhares (Cine Resort)

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Stars In My Crown (1950)

É-me muito difícil falar sobre este filme. Difícil porque acho impossível expor todo o assombramento e alegria que se me invadem sempre que o vejo. Como é que em menos de 90 minutos se chega a tanto? Se conta tanto? Se eleva cada personagem com uma delicadeza tão tocante? Como é que em quatro planos – e sem diálogos, na sequência da carroça de feno – se descreve antologicamente todas as infâncias?
Stars in My Crown é um western pelo período e pelo país em que decorre a acção. Sobre uma comunidade, sobre as bases sociais e educacionais dessa comunidade. Sobre a espiritualidade dos seus membros. É sobre tudo um bocado, por haver um interesse, uma vontade, de se fazer ver a complexidade pelo que é mais simples. Procurá-la pela contemplação. Sem dúvida alguma, um dos “essenciais da História do Cinema”, embora pouca gente o conheça.


Para terminar, dou a palavra a Jacques Tourneur, o realizador:

Nessa altura (1949), estava livre, e não tinha contrato com nenhuma firma. Tinha ganho bastante dinheiro com os filmes Berlin Express (1948) e Easy Living (1949). Tinha um grande amigo na MGM, o William Wright, que preparava um pequeno filme. Pedi-lhe para ler o argumento e ele emprestou-mo. Entusiasmei-me logo. Telefonei a Wright e disse-lhe que queria, custasse o que custasse, filmar esse argumento. Respondeu-me: 'Mas, Jacques, é um filme sem importância, com um orçamento reduzidíssimo, que tem que ser feito em doze dias, e a nossa ideia é contratar um realizador pago à semana'. Continuei a insistir e ele disse-me: 'Jacques, percebe-me, não te podemos pagar'. Respondi-lhe: 'Ouve, não há problemas, faço o filme de graça'. Esta resposta estarreceu-o e, no dia seguinte, mandou-me dizer que me pagaria o que estavam dispostos a pagar ao realizador contratado à semana. O que, de resto, acabou por se virar contra mim, porque, quando acabei o filme, e me propuseram outros, todos os estúdios iam logo perguntar à Mgm quanto é que me tinham pago e foi assim que o meu ordenado foi reduzido ehttp://www.blogger.com/img/blank.gifm dois terços. Foi o preço que paguei pela minha vontade de rodar este filme. O autor do romance, Joe David Brown, escreveu-me uma carta que guardei, em que me dizia que tinha ficado comovidíssimo ao ver o filme, que o achava bem melhor que o romance. E ainda hoje, quando o encontro, Joel Mcrea diz-me sempre: 'Jacques, a maior alegria de toda a minha carreira foi ter trabalhado em Stars in My Crown (1964).


João Palhares (Cine Resort)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Tertúlia de Cinema X

Tema: Os Outros Westerns



1º Stars in My Crown (1950)



Realizador: Jacques Tourneur
Ficha Técnica no imdb


Trailer:




A ter início em 8 de Dezembro de 2011




2º Bend of the River (1952)




Realizador: Anthony Mann
Ficha Técnica no imdb


Trailer:




A ter início em 19 de Dezembro de 2011




3º Il Grande Silenzio (1968)





Realizador: Sergio Corbucci
Ficha Técnica no imdb

Trailer:




A ter início em 28 de Dezembro de 2011




Tertúlia planeada por João Palhares (Cine Resort)

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

TETSUO: THE IRON MAN


Tão estranho e surreal quanto ERASERHEAD (1977, David Lynch) e tão intenso quanto a desvitalização de um dente sem anestesia, TETSUO: THE IRON MAN é ficção-científica de terror como só os japoneses poderiam conceber e, habitualmente, através da animação. Mas aqui não. TETSUO é em imagem real e, por isso, ainda mais perturbador.

As desventuras de um empregado de escritório que, após atropelar fatalmente um homem com fetiche por metais, vê o seu corpo transformar-se, lenta e dolorosamente, num pedaço de “lata” ambulante, dão o mote para uma sucessão de eventos que elevam o conceito de grotesco a níveis raramente vistos em Cinema, reinventando pelo meio a noção de fantasia sexual bizarra e culminando numa batalha telepática capaz de — literalmente — arrasar o mundo. Tudo isto no espaço de uns breves e inesquecíveis 67 minutos…


Repleto de referências cinematográficas ocidentais (desde as primeiras e “virulentas” obras de David Cronenberg, passando pelos frenéticos trabalhos de montagem e fotografia de Sam Raimi, até às composições estilizadas dos filmes mudos), TETSUO: THE IRON MAN é, também, uma homenagem às películas nipónicas de samurais e monstros mutantes, ao tradicional teatro Kabuki e às edições manga para adultos. No entanto, todo o mérito tem de ser atribuído a Tsukamoto, que realizou, escreveu, fotografou, editou e concebeu os efeitos especiais deste filme — e ainda teve tempo de protagonizar o acima mencionado fetichista de metais.

Desde as suas primeiras exibições, em 1989, TETSUO: THE IRON MAN tem sido interpretado como uma metáfora sobre SIDA e ansiedade sexual ou uma crítica ao incremento de uma tecnologia desumanizante. Simbolismos à parte, considero-o apenas como um dos melhores e mais descomprometidos títulos de terror cyberpunk de todos os tempos.


Samuel Andrade (Keyzer Soze's Place)

sábado, 19 de novembro de 2011

Kaidan (1964)


Quando pensamos em J-Horror, a nossa memória cinéfila remete-nos, quase imediatamente, para espectros de cabelos compridos, olhos ebúrneos e hábeis em assombrar os mais diversos meios de tecnologia moderna. Poderá, assim, ser estranho para alguns encarar KAIDAN como obra seminal do género, sobretudo se atentarmos ao facto de que o filme bebe inspiração em quatro lendas do folclore medieval nipónico, pejadas de simbolismo moral e/ou romântico e sem um único jump scare para a conta…
No entanto, e ao longo da visualização de KAIDAN (ou “histórias de fantasmas”, em japonês), quase todos os títulos que associamos ao cinema de terror moderno oriundo do país do Sol Nascente serão invocados — atrevo-me mesmo a dizer, a génese de RINGU (1998, Hideo Nakata) ou JU-ON (2002, Takashi Shimizu) nasceu por intermédio de Masaki Kobayashi.


KAIDAN é mais prolífero na criação da atmosfera sobrenatural do que em perturbar o espectador pelo susto surpresa. Em todas as suas quatro histórias — linearmente intituladas como «The Black Hair», «The Woman of the Snow», «Hoichi, the Earless» e «In a Cup of Tea» —, e através do seu magnífico trabalho visual expressionista, somos testemunhas dos pesadelos mais bucólicos que a Sétima Arte já ofereceu, plenos de estilização cenográfica, arrojados esquemas cromáticos e lânguida direcção de fotografia, apta a conferir vida às histórias de batalhas navais representadas nos painéis “e-maki”.
Mas é na concepção subtil do terror das suas narrativas que KAIDAN, realmente, se distingue. Preenchido por temas como o tumulto interior causado por anos de remorsos e sentimentos de culpa, as consequências da sedução descomprometida, a assombração incauta e a negação do próprio irreal, não é difícil catalogá-lo como um portento de horror espiritual e psicológico, absolutamente inspirador para cineastas (ou não) dedicados ao género e totalmente inesquecível.



Samuel Andrade (Keyzer Soze's Place)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

TCN Awards

melhor iniciativa

Esta proposta de tertúlias cinematográficas mensais foi nomeada nos prémios TCN Awards, para "Melhor iniciativa".
Os restantes nomeados, podem ser consultados no blog organizador, Cinema Notebook, onde podem também dirigir-se para votar.

Como se pode ver, este ano existiram grandes iniciativas que nasceram a partir de blogs. E todos os nomeados estão de Parabéns.
No entanto, tenho de salientar uma iniciativa em particular, a do grupo de Bloggers Cinéfilos, criado pelo Samuel Andrade. Não fosse este grupo que conseguiu reunir um enorme grupo de amantes de cinema e provavelmente nunca teria avançado com esta ideia. Sem o grupo de Bloggers cinéfilos, não haveria Tertúlia.

Um muito obrigado a todos os que votaram, este blog não seguiu o caminho que idealizei a início, mas tem, de qualquer das maneiras, vindo a conquistar o seu espaço na blogoesfera. E prometo surpresas para o próximo ano.

Por fim agradeço a todos os que participam nesta tertúlia (vários dos quais nomeados em outras categorias). O blog é nosso, a nomeação é nossa.

Muito obrigado a:

- Álvaro Martins

- Andreia Mandim

- Danilo Donzelli Alves

- Francisco Rocha

- Gonçalo Trindade

- Hugo Teixeira

- João Gonçalves

- João Palhares

- Miguel Lourenço Pereira

- Nuno Salvador

- Nuno Reis

- O Projeccionista

- Paulo Soares

- Pedro Ponte

- Samuel Andrade

- Snow White

sábado, 12 de novembro de 2011

Jigoku (1960)


O Inferno, enquanto conceito abstracto, tem atraído cineastas de diversas culturas e épocas a expressarem as suas visões artísticas sobre o lugar destinado àqueles que “não souberam levar uma vida terrestre livre de pecado”. Entre os títulos mais memoráveis, contam-se os fundamentais DIA DE CÓLERA (1934, Carl Theodor Dreyer), ESTA NOITE ENCARNAREI NO TEU CADÁVER (1967, José Mojica Marins), HELLRAISER (1987, Clive Barker) e, obviamente, este JIGOKU que, coincidência ou não, significa Inferno em japonês…


Produzido em 1960 pelos lendários estúdios Shintoho, JIGOKU é de visualização indispensável para a compreensão do cinema de terror japonês moderno. A sua surreal imagética, o humor negro e a ênfase na violência e no gore influenciaram, em grande medida, Shinya Tsukamoto (um dos seus filmes estará em destaque este mês no Tertúlia Cinematográfica) e Takashi Miike. Contudo, também é um produto do tempo e país em que foi filmado, ou seja, um Japão ainda a recuperar das feridas da Segunda Guerra Mundial. O foco implícito do filme nas divergências da natureza humana, que balança entre o bem e o mal numa interminável e, em última instância, infrutífera luta, é destacado logo na primeira sequência, em que escutamos uma oração budista sobre as tentações e fragilidades da carne.


Perante este início carregado de simbolismo religioso, e com uma primeira hora que se desenrola de forma relativamente convencional, nada nos prepara para o grande desenlace de JIGOKU. Quando somos “convidados”, numa cena particularmente impressionante em termos de construção visual, a descer ao Inferno, espera-nos alguns dos momentos mais alucinantes, inesperados e aterradores que já foram observados em Cinema.
Um imperdível triunfo de direcção artística e efeitos especiais, um conto moral como raramente se faz actualmente, um marco na cinefilia de terror.


Samuel Andrade (Keyzer Soze's Place)

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Tertúlia de Cinema IX

Tema: J-Horror



1º Jigoku (1960)

Realizador: Nobuo Nakagawa
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 11 de Novembro de 2011



2º Kaidan (1964)

Realizador: Masaki Kobayashi
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 19 de Novembro de 2011



3º Tetsuo (1989)

Realizador: Shin'ya Tsukamoto
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 28 de Novembro de 2011



Tertúlia planeada por Samuel Andrade (Keyzer Soze's Place)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Otona no miru ehon - Umarete wa mita keredo (1932)


Ver um filme de Yasujiro Ozu pela primeira vez é como descobrir o cinema de novo. É sentir que um plano de um filme seu transmite mais emoção do que qualquer outro filme.

Em primeiro lugar todas as interpretações parecem reais e naturais. E essa naturalidade faz-se sentir mesmo neste seu filme mudo de 1930 - I was born but... Sendo um filme mudo, o talento dos actores revela-se fundamental (os gestos, as expressões dos personagens) sendo que quem melhor está neste filme são as duas crianças. Elas que inocentemente criam um conflito que vem destabilizar aquela família. Sempre a família no cinema de Ozu, especialmente nos relacionamentos entre pais e filhos.


Mais incrível é que o filme começa por ser uma comédia, para logo passar a algo mais sério. Fica o final, do pai sentado com ambos os filhos.

É sim um grande filme, mas não com as características mais conhecidas no estilo do mestre japonês – “o mais japonês dos realizadores”.


João Gonçalves (Modern Times)

sábado, 22 de outubro de 2011

City Girl (1930)



City Girl de F. W. Murnau. Um filme que fica na sombra de obras como Sunrise, Tabu ou Nosferatu. Não há diferenças entre qualquer um deles quando se atinge tal sentido lírico. Mais uma história, das mais simples, mas que nos consegue agarrar até ao fim. 80 anos passaram e o cinema já não é o mesmo. Já não é possível criar algo tão inocente como o rosto destes personagens.


O ambiente continua a ser o díptico campo/ cidade, em que para se ser feliz não é o local onde vivemos que será determinante para esta felicidade. O filme, que poderia ser nada mais do que uma história enquadrada nos padrões de filme de Hollywood, ganha corpo devido ao talento do alemão em que atinge o seu cume na sequência em que os dois apaixonados correm pelo campo. Para ver e rever. City Girl, tal como qualquer outro filme de Murnau que tenha visto, está na minha lista dos mais mais belos filmes do mundo.


João Gonçalves (Modern Times)

domingo, 16 de outubro de 2011

Lucky Star (1929)


Quase que não me arrisco a dizer o que quer que seja sobre Lucky Star de Frank Borzage. Não quando existem tão belas palavras de João Bénard da Costa (textos para ler e reler).

Sou suspeito. Adoro todo o ambiente do mudo. Mais do que o som, é o poder das imagens que me contagia. Os actores, as expressões, muito mais do que uma simples palavra.



Houve Murnau, Grifith e tantos outros que se afirmaram no cinema mudo, mas foi Frank Borzage que me fez apaixonar por estes filmes. Ele e o seu Lucky Star, depois de já ter visto tantos e tantos filmes desta época.

Uma história simples, nada mais do que contada vezes sem conta – o amor entre um homem e uma mulher. Surge logo a guerra, e o herói acaba por sair de lá paraplégico. Daí para a frente é ver o personagem de Janet Gaynor (belíssima) numa impressionante evolução, tornando-se mulher aos olhos de Tim. O que vem lá para a frente só visto, culminando num belo plano de Mary e Tim. Os flocos de neve são testemunha. O filme termina.



João Gonçalves (Modern Times)

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Tertúlia de Cinema VIII

Tema: Cinema Mudo


1º Lucky Star (1929)

Realizador: Frank Borzage
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 15 de Outubro de 2011






2º City Girl

Realizador: F.W. Murnau
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 21 de Outubro de 2011





3º Otona no miru ehon - Umarete wa mita keredo

Realizador: Yasujirô Ozu
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 31 de Outubro de 2011




Tertúlia planeada por João Gonçalves (Modern Times)

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Der Letzte Mann (1924)


O Último dos Homens é um filme obrigatório e digno de estudos sobre o cinema mudo, com um poder que não diminuiu em mais de 85 anos. O cruzamento entre o director de fotografia Karl Freund, com o argumentista Carl Mayer e F.W. Murnau originam um filme notável; Murnau estava no auge da sua força, enquanto que Freund, aos 34 anos era uma grande promessa da fotografia. É discutível saber qual dos dois será o responsável pela maioria dos atributos exclusivos do filme, mas também é facilmente perceptível que os seus talentos combinados tornaram o filme muito melhor do que o material poderia sugerir na tela, mesmo tendo em conta as habilidades melodramáticas de Mayer. É uma história simples, como qualquer outra contada através da interpretação, iluminação e cenografia, mas a razão para o seu sucesso é o seu trabalho de câmara inovador.
Ao retratar o porteiro confiante (um brilhante Emil Jannings) de um Hotel de luxo que acabará os seus dias a estender toalhas aos clientes que utilizam a casa-de-banho, Murnau acaba por mostrar, de forma crua, que toda e qualquer pessoa, a partir do momento em que a sua utilidade cessa, deve ser encostada a um canto, posta na prateleira. Enfim, deve ser afastada.


Obviamente, há muito mais para além desta mensagem básica, como é o caso da importância atribuída ao uniforme. O porteiro que, confiantemente passeava num bairro decrépito com o seu uniforme luminoso e resplandecente, depois da despromoção tudo fará para manter a farsa. O uniforme, símbolo de falsas aparências e convenções sociais fúteis acabará, assim, por ser o elo que manterá o decorrer da acção.
Dir-se-ia que Murnau retrata uma das aplicações da lei do mais forte nas sociedades modernas (o que, de certa forma, seria uma antevisão da triste realidade que a Alemanha viveria na década de 30 até 1945). Talvez, mas vai para além disso. Murnau, traça um retrato sarcástico do Homem cruel e insensível, mas, também, dos tontos que se fiam num qualquer símbolo de poder ou distinção, por mais insignificante que seja.

domingo, 25 de setembro de 2011

Orlacs Hände (1924)


O tema pode não ser familiar, mas muitos filmes de terror devem muito a esta história e a esta primeira adaptação do conto “The Hands of Orlac”. Além dos remakes mais conhecidos, considere-se outras versões como: The Beast With Five Fingers (1946), o segmento de Christopher Lee para Terror's House of Horrors (1965), de Oliver Stone, The Hand (1981), e a possessão de Ash no Evil Dead II(1987) e, especialmente, a homenagem de Eric Red, Body Parts (1991).

“As Mãos de Orlac”, uma lendária produção, é mais notada, e por essa razão não tem comparação com as outras versões, pela imagem de Conrad Veidt, pelo seu neurótico perfil a olhar para as suas mãos em forma de garra. Esta produção de baixo orçamento reunia Veidt com Robert Wiene, realizador do famoso Gabinete do Dr. Caligari, e juntava um dos realizadores mais importantes deste movimento, a um dos seus actores mais simbólicos.



As Mãos de Orlac é um filme totalmente expressionista porque fala do tema do destino e da morte. Wiene trabalha estas questões não puramente na estilização dos décors, como ficou conhecido com a sua marca registrada. Orlac é um filme cuja rarefação de uma idéia de estilização é visível, ou seja, há um completo depuramento desse espaço físico em torno dos quais ocorrem as acções, sejam nos interiores ou nos exteriores. Ou seja, Wiene consegue provar que a essência do seu cinema não é a estilização do cenário como prolongamento do espaço interior dos personagens, e sim a sua filiação com um cinema fantástico, investigando a questão do destino, sobre até que ponto é possível sermos donos do nosso destino e das nossas vidas, e até que ponto podemos ser responsáveis por nossas próprias ações.


Francisco Rocha / My One Thousand Movies

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Nosferatu, eine Symphonie des Grauens (1922)



Para quem conhece a história de Drácula, e as suas inúmeras variações como adaptações cinematográficas, não há grande mistério no argumento deste clássico do cinema mudo. Os nomes dos personagens principais e alguns conceitos da história foram alterados. Agora, o famigerado vampiro é o conde Orlok, que também vive na Transilvânia. O jovem Hutter deixa a sua esposa e parte da sua cidade na Alemanha para se encontrar com o conde e finalizar a compra de um imóvel. Mas ele descobre que não é essa a verdadeira intenção do seu anfitrião. Os caminhos de ambos divergem quando Orlok deixa o castelo para se dirigir à cidade de Hutter e o rapaz escapa corajosamente do seu cativeiro.

Friedrich Wilhelm Murnau, nascido em 1888, um ex-piloto de caças da Primeira Guerra Mundial, chegou à cadeira da realização um pouco tardiamente. O seu primeiro filme, Der Knabe in Blau, uma curta de terror sobre uma pintura assombrada e o tema da reencarnação foi concluída em 1919, mas agora, infelizmente, encontra-se perdido. O movimento expressionista, de que Murnau fazia parte, tinha já nesta altura produzido obras incriveis. De Robert Wiene era Der Kabinett des Doktor Caligari (O Gabinete do Dr. Caligari), que juntamente com a obra de Carl Boese e Paul Wegener, "Der Golem, wie er in die Welt kam" (Golem) de 1920 são considerados obras seminais. O uso exagerado de ângulos de câmera, com uma iluminação fora do comum davam a estes filmes um ambiente misterioso, numa tentativa de provocar medo.



Nosferatu foi a primeira, e única, produção da própria empresa de Murnau, a Prana-film. A produtora foi fustigada por gastos excessivos sobre a promoção do filme, um fato que quase custou o lançamento da própria obra. Nosferatu é uma adaptação livre da obra de Bram Stoker, Dracula, por Henrik Galeen, o que significa que a Prana nunca garantiu os direitos para fazer o filme, optando por alterar os nomes, locais e alguns pormenores da trama. No entanto, ninguém foi enganado, pelo menos os Stokers, mas a viúva, que ficou empobrecida pela morte do marido, e ficou totalmente dependentes das receitas dos seus livros, levou a Prana a tribunal por violação dos direitos autorais. No entanto, como a produtora já estava perto da banca-rota, o tribunal ordenou que todas as cópias fossem destruídas. É uma benção que a ordem judicial não foi executada em todo o mundo ou que teria sido roubada uma obra-prima do cinema mundial. As cópias de Nosferatu que sobreviveram fora da Alemanha foram continuamente trabalhadas e lançadas em diferentes versões, com legendas em inglês, e muito provavelmente não refletem completamente a obra original de Murnau. Tudo o que se pode imaginar é que o impacto deste filme, na época de seu lançamento, não deve ter sido pequeno.



Max Schreck, na figura do vampiro, tem uma interpretação intocável. Repugnante e assustador, o seu vampiro é capaz ainda de provocar pena em algumas sequências, para dali a pouco causar repulsa ao se mostrar um simples parasita, imóvel diante da câmera enquanto se alimenta da sua vítima desfalecida.


Francisco Rocha / My One Thousand Movies

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)



No pós-I Guerra Mundial na Alemanha, um grande avanço no cinema estava para acontecer: Carl Mayer, um argumentista austríaco e Hans Janowitz, um poeta checo, conceberam o conto de um louco psicótico que poderia controlar outro ser humano e levá-lo ao assassinato. Embora isso possa parecer bastante lugar comum nos dias de hoje, o conceito, que influenciou mais tarde os filmes do género (como Assassinatos na Rua Morgue, 1932), foi positivamente este romance de 1920. Com a ajuda do realizador Robert Wiene, e uma equipe de designers de produção brilhante, O Gabinete do Dr. Caligari é hoje um marco na história do cinema, tanto dentro quanto fora do género terror.



A história de Caligari é bastante simples, quase banal para os padrões de hoje. A história começa com nosso herói, Francis (Friedrich Feher) a falar com um estranho num jardim. Depois a cena do jardim desvanece, e nós entramos no que parece ser um flashback. Com o desenrolar dos acontecimentos, descobrimos que um estranho chegou à cidade, um homem com o nome de Dr. Caligari (Werner Krauss), e com ele Cesare (Conrad Veidt). Pouco depois da sua chegada, as pessoas ao redor da cidade começam a morrer, incluindo um amigo próximo de Francis. Como Francis suspeita de Caligari, começa a investigá-lo e ao estranho Cesare, e o perigo cresce.
Os argumentistas Mayer e Janowitz pretendiam que Caligari fosse uma reflexão sobre o estado da Alemanha no pós-guerra, criticando a estrutura autoritária e, nas palavras do próprio Janowitz, demonstrando que "a razão supera o poder irracional." No entanto, o realizador Wiene e o produtor Erich Pommer foram ambos mais longe ao criticar a sociedade, e fizeram desta obra um dos maiores marcos da história do cinema, e um filme reprecurssor de um dos movimentos mais importantes. O expressionismo.




Francisco Rocha / My One Thousand Movies

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tertúlia de Cinema VII

Tema: Expressionismo Alemão




1º Das Cabinet des Dr. Caligari (1920)

Realizador: Robert Wiene
Ficha técnica no imdb

Trailer:




A ter início em 09 de Setembro de 2011








2º Nosferatu - Eine Symphonie des Grauens (1922)

Realizador: F.W. Murnau
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 16 de Setembro de 2011






3º Orlacs Hände (1924)

Realizador: Robert Wiene
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 24 de Setembro de 2011









4º Der Letzte Mann (1924)

Realizador: F.W. Murnau
Ficha técnica no imdb

Trailer:



A ter início em 30 de Setembro de 2011







Tertúlia planeada por Francisco Rocha / My One Thousand Movies

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Tekkon Kinkurīto (2006)






Michael Arias é mais conhecido por trabalhar na área dos efeitos visuais ou por ter sido um dos produtores de Animatrix.
Com Tekkon Kinkurīto brinda-nos com a sua primeira longa-metragem.

sábado, 27 de agosto de 2011

Akira (1988)



A mangá Akira (1982-1990) da autoria de Katsuhiro Otomo foi o meu primeiro contacto com o mundo da BD japonesa. Um golpe fortuito do destino, pois na altura não havia mangá disponível (pelo menos que eu encontrasse). Por isso tive sorte quando me ofereceram o 1º e 2º vol. de uma edição brasileira de Akira.
Durante muitos anos fiquei a sonhar com esta história e como se desenrolaria até à sua conclusão. Eventualmente anos mais tarde, consegui terminar a colecção e ainda hoje se trata de um dos meus mangás predilectos, um clássico, uma obra-prima.
Pelo caminho assisti a este filme realizado pelo próprio autor do mangá, Katsuhiro Otomo.

Para contar a história de Akira num filme, esta teve de ser drasticamente condensada quando comparada com o mangá. E por isso a segunda metade do filme diverge consideravelmente.
Preferindo a versão do mangá porque tem mais tempo para desenvolver a história, o filme de Akira não deixa de ser um portento e um dos mais icónicos filmes deste género de sempre que tem influenciado e continua a influenciar os mais variados cineastas.



Pertencente ao género cyberpunk, Akira decorre no futuro ano de 2019 em Neo-Tóquio, uma nova cidade que se ergue das cinzas de Tóquio destruída há 31 anos atrás. Destruição essa que levou à 3º guerra mundial.

A história tem início com Kaneda e Tetsuo, dois grandes amigos que pertencem a um gang de motoqueiros liderado pelo carismático Kaneda. Dois amigos separados ao início e que estão destinados a confrontar-se no futuro, como tantas e tantas vezes tem decorrido na ficção. Pois Tetsuo não é um miúdo comum. Após um acidente de mota o Colonel Shikishima e o Doctor Onishi descobrem que Tetsuo possui poderes psíquicos similares aos de Akira, a criança mais poderosa a pisar a Terra e que foi a causadora da destruição de Tóquio. A partir daqui Tetsuo nunca mais será perdido de vista, o seu potencial é imenso e tem de ser controlado.



Entretanto Kaneda alia-se a um grupo de rebeldes (muito por causa da bela Kei) a fim de encontrar o seu amigo (Tetsuo) mantido prisioneiro pelo temível Colonel Shikishima.

Concluindo, na minha opinião é um filme obrigatório pois quem é fã de animé e nunca viu Akira é como um católico que nunca foi à missa.


Gabriel Martins / Alternative Prison

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Momotarō: Umi no Shinpei (1945)



Mangá é um nome que hoje em dia está associado à banda desenhada Japonesa.
No fundo Mangá é apenas uma palavra para designar a arte sequencial no Japão, mas no Ocidente sempre que é mencionada evoca exclusivamente o típico desenho praticado originalmente no Japão.
Sobre isto existe (no Ocidente) uma discussão sobre o que é mangá. Se se trata de toda a BD que siga este estilo (que sofre obviamente variações não é algo sempre igual mas com determinadas características em comum), e neste sentido Scott Pilgrim que é desenhado por um americano também é mangá, ou se mangá deve ser apenas a BD feita por japoneses. Como expliquei no início nenhuma destas definições está correcta, mas como para dividir a BD em estilos usar esta palavra até simplifica quando se anda às compras ou em conversas devo dizer que prefiro a primeira definição, ou seja, mangá é um estilo e não uma nacionalidade.
Ora com Animé passa-se exactamente o mesmo, no fundo é apenas uma abreviatura para animação, mas ao mencioná-la todos pensamos em animações de estilo japonês.

Momotarō: Umi no Shinpei ou em inglês Momotaro's Gods-Blessed Sea Warriors ou Momotaro, Sacred Sailors trata-se da primeira longa-metragem de animação japonesa (74 minutos)e foi realizada em 1944. Trata-se da sequela da curta Momotarō no Umiwashi do mesmo realizador, Mitsuyo Seo.
Seo foi convidado pelo ministro da marinha japonês a realizar este filme como um filme de propaganda para a II guerra mundial.

Escolhi este filme pela curiosidade em conhecer a primeira longa-metragem japonesa e por ser um filme de propaganda.
Infelizmente não encontrei legendas o que se provou um erro da minha parte. Sem resultados tive mesmo de o assistir sem tradução e por isso a minha compreensão do filme, apesar de ele ser simples, não foi total. A qualidade visual com que o encontrei também deixa algo a desejar. Preocupações que só me assolaram depois da escolha estar feita.



Momotarō trata-se de uma figura pertencente ao folclore japonês e que foi vastamente utilizada durante o período da 2º guerra.
O filme começa por demonstrar como vive Momotarō e os seus amigos (que são animais), porém o clímax do filme é a emboscada das tropas inglesas, liderada por Momotarō, na ilha Sulawesi. Um retrato fictício da uma batalha verídica em que o Japão tinha sido vencedor.

Estávamos no início de algo que iria deixar a sua marca na História, o Animé, algo que estava destinado a acontecer com ou sem este filme. Hoje em dia o Animé é um dos géneros de animação mais populares do mundo e merece todos os elogios que lhe têm vindo a tecer.


Gabriel Martins / Alternative-Prison

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Extensão da Tertúlia de Julho

Como alguns poderão ter reparado a tertúlia de Julho não está a cumprir o horário.
Férias de alguns e dificuldades em arranjar legendas para um certo filme (mea culpa mea culpa) têm atrasado os posts.

Por isso vou extender a tertúlia para Agosto, uma vez que ia dar férias à tertúlia nesse mês e não tinha nada planeado.

Não é a opção mais correcta mas de momento foi a que arranjei. Prefiro fazer as coisas com calma e bem do que à pressa e mal.

domingo, 3 de julho de 2011

Tertúlia de Cinema VI

Tema: Animação Japonesa

1º Momotarô: Umi no shinpei (1945)

Realizador: Mitsuyo Seo
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



Sugestão de Gabriel Martins
A ter início a 17 de Julho de 2011






2º Akira (1988)

Realizador: Katsuhiro Ohtomo
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



Sugestão de Nuno Salvador
A ter início a 22 de Julho de 2011






3º Tekkon Kinkurīto (2006)

Realizador: Michael Arias
Ficha Técnica no imdb

Trailer:



Sugestão de Hugo Teixeira
A ter início a 31 de Julho de 2011

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Macunaíma (1969)


Macaunaíma, «herói de nossa gente» como é baptizado pelos seus dois irmãos e pelo narrador, nasce de um livro escrito por Mário de Andrade em 1928 e que foi adaptado ao Cinema por Joaquim Pedro de Andrade em 1969. Este filme, que é a segunda longa-metragem de ficção do realizador, é a minha proposta para terminar o ciclo dedicado ao Cinema do Brasil.
O herói de nossa gente mais não é do que um anti-herói, que representa o povo brasileiro e o seu multicuralismo. Nascido negro nos confins da selva, Macunaíma é preguiçoso e pouco faz para ajudar os outros. Mais tarde, na sequência da morte da mãe, parte para a grande cidade de São Paulo com os seus dois irmãos mais velhos. Pelo caminho Macunaíma torna-se branco e quando chega à grande cidade apaixona-se por uma guerrilheira com quem passa o tempo a ‘brincar’ (leia-se fazer amor), uma das muitas maravilhas que o fascinam na grande cidade.A adaptação cinematográfica da obra de Mário de Andrade faz lembrar um pouco os romances do realismo mágico, género muito próprio da América Latina, sobretudo nos países de língua espanhola. Ao mesmo tempo, o filme é também uma crítica à sociedade que aponta em inúmeros sentidos, alguns dos quais apenas se compreendem conhecendo a realidade da época.
Goste-se ou não, espero que se divirtam tanto quanto eu me diverti a ver este filme de Joaquim Pedro de Andrade.


O Projeccionista / A Última Sessão

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)

Não é de Deus, nem do Diabo, a Terra é do Homem. Uma vida sofrida, numa terra desolada, comandada por coronéis e homens da igreja, marcada pelo desespero e pela seca. O que resta da esperança? A esperança foi roubada. Para Manoel não resta nada a não ser pegar a mulher e ir embora, ir para procurar uma vida melhor, deixando a miséria para trás.
A primeira vez que vi Deus e o Diabo, foi na Faculdade de História da USP numa sessão especial. Glauber Rocha explodiu dentro de mim, mistura de faroeste, drama caboclo, Villa Lobos e Sergio Ricardo, o filme me conquistou. Numa época de Ditadura Militar, nada como a contestação ao poder e essa contestação foi total. Contestação ao poder civil e religioso.
Glauber é um daqueles diretores que não fazem concessão a nada, pegam uma câmera na mão e filmam o que sentem, de forma absoluta, de vez em quando com frieza outras vezes com calor, o que fica para nós é um sentimento de angustia e revolta, o mundo como ele é.
O que é interessante em Deus e o Diabo é que a dicotomia está no mesmo plano, não existe Deus bom e nem Diabo que o carregue. Os dois fazem parte da mesma esperança e no fim ficamos com a sensação de que a esperança não existe no plano místico, ela está no próprio homem. Assim o filme tem um pouco de tudo: é um épico social; um combate ao fanatismo religioso; uma critica ao misticismo e uma aula de História. Caminha entre os lideres religiosos e a saga do cangaço, enveredando pela ótica do banditismo social e da epopéia Histórica da Guerra de Canudos. Você pode até não gostar, mas é impossível ficar indiferente.

Danilo Donzelli Alves / A falha de Obi-Wan

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Limite (1931)

Arranca hoje o primeiro ciclo da Tertulia de Cinema dedicada a um país. A escolha inicial recaiu sobre o Brasil. Na minha opinião essa é uma escolha que faz sentido por, sendo o maior país de lingua portuguesa, com o qual temos uma enorme ligação e que históricamente possui um grande nivel de produção cinematográfica de qualidade, quantos de nós podemos dizer que conhecemos bem a sua cinematografia, para além de um número muito restrito de filmes? Para mim seria então importante que este ciclo nos ajude a desenvolver de alguma forma a vontade de explorar a obra de grandes realizadores como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Rogério Sganzerla, Joaquim Pedro de Andrade, Mário Peixoto, Eduardo Coutinho, Leon Hirszman, Júlio Bressane, Roberto Santos, Luiz Sérgio Person, Ruy Guerra, Humberto Mauro, Hector Babenco, Arnaldo Jabor, Carlos Reichenbach, Ozualdo Candeias, José Mojica Marins, Walter Lima Jr., Cacá Diegues, Paulo César Saraceni, Walter Salles, Andrea Tonacci, Roberto Farias, Carlos Manga, Anselmo Duarte, Walter Hugo Khouri ou Domingos de Oliveira, para nomear apenas alguns.
A primeira obra a ser apresentada neste ciclo será “Limite”, o único filme concluído por Mario Peixoto, filmado em 1930 quando o realizador tinha 22 anos de idade. Um filme que, tendo estreado em 1931, não chegou a ter distribuição comercial e cuja única cópia esteve em risco de destruição em 1959 por deterioração, mas que, graças a um trabalho de restauro durante os vinte anos seguintes, foi recuperado e alcançou finalmente a consagração em 1988, quando foi eleito pela Cinemateca Brasileira como o melhor filme brasileiro de todos os tempos.
Quem foi então Mario Peixoto e como chegou à realização desta obra única do cinema brasileiro e mundial? Nascido em 25 de Março de 1908, em Bruxelas, pertencia à alta burguesia brasileira, tendo entre os seus antepassados o comendador Joaquim Breves, que havia sido o maior plantador e exportador de café do Império (e também o maior traficante de escravos). Teve então no Brasil uma educação extremamente burguesa e em 1926 viajou para Inglaterra para estudar. Mas meses depois da sua chegada decide tornar-se actor (contra a vontade do pai que queria que seguisse a carreira de médico) e voltou ao Brasil, onde se envolveu então com os circulos de teatro e cinema do país. É importante notar que nesta altura no Brasil (como outros paises) verificava-se um fenomeno que criou novas oportunidades ao cinema nacional: o facto do cinema sonoro ter surgido criou num periodo especifico um entrave à aceitação de produções estrangeiras pelo publico. Este facto, aliado a uma maior discussão e teorização em grupos cinéfilos fez com que surgisse um certo impeto no cinema Brasileiro, resultando em 1929 em produções importantes como “Barro Humano” de Adhemar Gonzaga, “Sangue Mineiro” de Humberto Mauro ou “São Paulo: Sinfonia da Metrópole” de Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny.

Mario Peixoto num papel secundário de “Limite”

Foi neste ano que Mario Peixoto decidiu voltar à Europa, agora a Paris, de forma a ter a possibilidade de visionar obras a que tinha dificil acesso no Brasil de cinematografias como a soviética, a francesa ou a alemã. Nas suas próprias palavras, para “estudar a coisa”. E foi também nessa viagem que segundo ele, nasceu a ideia que levaria à realização deste filme. Um dia ao ir encontrar-se com familiares à Gare du Nord, reparou na capa da revista Vu exposta num quiosque: um rosto de mulher, de frente, olhar fixo com duas mãos masculinas algemadas em primeiro plano. Foi esta foto de André Kertézs que, segundo o realizador, gerou todas as outras imagens do filme.

Capa da revista Vu que serviu de inspiração ao filme

Nos meses seguintes escreveu o argumento de “Limite”(concluido no inicio de 1930, já no Brasil), do qual não pretendia ser o realizador. Convidou primeiro Adhemar Gonzaga e posteriormente Humberto Mauro para essa tarefa, mas a resposta de ambos foi idêntica: o argumento (que estava detalhado ao pormenor) era tão tão único e diferente que só quem o tinha escrito o poderia filmar. Estas duas respostas negativas levaram-no então a decidir realizar o filme.

Imagem de abertura de “Limite” inspirada na foto de André Kertézs

Sobre o filme propriamente dito, a sua história é relativamente simples: começa por nos apresentar três pessoas, um homem e duas mulheres, num pequeno barco no mar alto. Já sem agua, debaixo de forte sol e prestes a ficar sem comida, apresentam-se no extremo da desolação. O restante do filme mostrará através de sucessivos flashbacks o que levou cada um deles a esta situação de isolamento da sociedade, concluindo então com uma (certa forma de) resolução.


O que torna torna o filme tão especial é o cuidado, o planeamento e sensibilidade colocados em cada plano, na sua interacção com a banda sonora (apenas musical), na utilização de meios puramente cinematográficos (de uma forma que para mim se aproxima da magia) para expressar este sentimentos de aprisionamento, desolação e fuga (diria que tão louca como o amour fou nos filmes surrealistas) da sociedade. É para mim dificil encontrar paralelos no cinema para a expressão destes sentimentos com esta força. Talvez só na fuga de Karin no fim do “Stromboli” ou no suicidio de Alain Leroy no “Le Feu Follet”. Mas esses são filmes diferentes.
Este é um filme que deve ser o minimo explicado e não o tentarei adiantar mais. Como afirma o próprio Peixoto, a experiência oferecida por “Limite” não pode ser adequadamente capturada pela linguagem, mas foi feita para ser sentida. Para ele o expectador deve ser subjugado às imagens como “angustiantes acordes de uma sintética e pura linguagem de cinema”. O seu filme é como um “grito almejando ressonância ao invés de compreensão”. Para ele “o filme não ousa (ou não quer) analisar. Ele mostra. Ele se afirma como um diapasão, capturando o fluxo entre passado e presente, detalhes de objetos e contingências como se sempre tivesse existido nos seres e nas coisas, ou destes se desprendendo tacitamente”.


Para terminar acho importante apontar que “Limite” (e é um ponto que penso que deve ser tido em conta ao vê-lo) foi duramente atacado pelo realizador seguinte deste ciclo, Glauber Rocha, que considerou Mario Peixoto como “longe da realidade e da história” e o filme como “incapaz de compreender as contradições da sociedade burguesa”, uma “contradição historicamente ultrapassada” e “uma produção da burguesia intelectual decadente”. Será pois especialmente interessante ver os dois filmes em sequência como está programado.

Edgar Brazil (Director Fotografia) e Mário Peixoto na rodagem de “Limite”


Paulo Soares