terça-feira, 31 de maio de 2011

The Big Red One (1980)


Samuel Fuller foi cabo na 1 ª Divisão de Infantaria, conhecida como "The Big Red One", que entrou em acção na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Este filme autobiográfico narra as experiências e sentimentos de um soldado de infantaria. Embora Fuller tenha feito outros filmes de guerra como The Steel Helmet (1949), Baionetas Caladas (1951) e Merrill's Marauders (1961) - The Big Red é o clímax da sua carreira no que diz respeito a este género.
O Sargento (Lee Marvin) é um soldado veterano que lutou na Primeira Guerra Mundial e, mais uma vez, luta contra os alemães. Agora ele conta com uma série de novos recrutas, a quem diz "Nós não somos assassinos, nós matamos." Os jovens protagonistas sob o seu comando, apelidados de "Sergeant's four horsemen", são Griff (Mark Hamill), um atirador de elite que congela durante os combates; Zab (Robert Carradine), um escritor que já teve um livro publicado e que vai passando o tempo reunindo impressões sobre a guerra; Johnson (Kelly Ward), um criador de porcos, e Vinci (Bobby Di Cicco), um rapaz da rua italiano.
Seguimos este grupo através de uma série de encontros com o inimigo - nos desertos da África onde os tanques alemães detêm o poder, na Praia de Omaha, com suas águas cheias de sangue, através de batalhas em França, Bélgica, Alemanha, e um encontro final com a morte num campo de concentração na Checoslováquia.
Fuller afirmou que "a verdadeira glória da guerra é sobreviver." The Big Red One concentra a sua atenção no trabalho dos atiradores, cujo dia a dia é composto por um enorme desgasto fisíco, medo e uma descrença enorme sobre que está a acontecer. Há muito poucos homens destemidos na guerra e muitas vezes os mais loucos acabam por ser os melhores lutadores. A representação de Lee Marvin do sargento que aceita o seu anonimato e as ironias de limitar o horizonte para os próximos 500 metros é uma das suas interpretações mais bem conseguidas. Os jovens soldados sentem a bondade de Marvin por trás de um exterior áspero.. Cena após cena, o sargento e a sua equipe superam o terror que paira no ar.
Em 1980, depois de 30 anos a dirigir filmes, Samuel Fuller iria fazer aquilo que se esperava ser a sua obra-prima, com base nas próprias experiências na Segunda Guerra Mundial e a premissa não podia ter sido melhor. A versão de Fuller era um épico de quase quatro horas. Certamente teria sido o ponto mais alto de toda a sua obra. Apenas não foi porque o estúdio resolveu cortá-lo para 2 horas, acrescentando a narração, e uma nova banda-sonora que Fuller não aprovou.
Teria sido lindo ver Fuller nomeado para os óscares com este filme, mas a triste verdade é que era uma época má para os filmes da Segunda Guerra Mundial na bilheteria. Os filmes do Vietname Apocalypse Now, O Caçador e O Regresso dos Heróis tinham todos sido lançados recentemente, e o assunto da Segunda Guerra Mundial parecia um estar bastante fora de moda. Mas The Big Red One é tão bom ou melhor filme de guerra como os mencionados, pessoalmente até o considero o melhor filme de guerra de sempre, mas isto sou apenas eu a divagar.
The Big Red One recebeu algumas críticas bastante respeitáveis e desapareceu, assim como a maioria dos filmes de Fuller.

Francisco Rocha / My One Thousand Movies

domingo, 22 de maio de 2011

Shock Corridor (1963)

Aqui está Fuller com tudo o que o torna Fuller: in your face, directo, cru mas esteticamente cuidado (cuidado no seu descuidamento, diga-se), sem medo de ir onde quer ir nem de fazer o que é preciso para lá chegar. Shock Corridor é metafórico, subversista, e, tal como Fuller fez por exemplo no espantoso White Dog, é um filme que acaba por ir muito além do que aquilo que a história conta.
A premissa é, por si só, espectacular: um jornalista, Johnny, obcecado em ganhar o Pullitzer decide infiltrar-se num hospício e misturar-se entre os seus pacientes, de forma a desvendar um assassinato que lá ocorreu. O mistério que surge no início do filme rapidamente é colocado em segundo plano, e Fuller concentra-se naquilo que mais interessa: o hospício como a América (o mundo?), louca na sua mescla de ideias, correntes de pensamento e ambição desmedida. “América para americanos!”, grita a certa altura o nazi negro do filme, antes de colocar um capuz do Klux Klux Clan, na cena talve mais simbólica de todo o filme. “Deus enlouquece primeiro aqueles que quer destruit”, lê-se a certa altura no ecrã. Se assim é, toda a América e todo o mundo sofre a ira de Deus.
Os três pacientes que o jornalista entrevista são um verdadeiro golpe de génio, representando cada um deles um medo tipicamente americano: a xenofobia, o medo das armas nucleares, e o racismo. Temos um louco que foi capturado pelos Coreanos durante a guerra e convertido por estes ao comunismo, até outro prisioneiro o reconverter aos ideais Americanos. Quando regressa à América, é colocado de parte, e refugia-se na sua mente, onde é um General que combate na Guerra Civil (onde americanos matam americanos… por diferentes ideias). Temos também o genial Dr. Boden, que fez parte da equipa que desenvolveu a bomta atómica mas que agora é uma criança de seis anos que gosta de brincar com lápis-de-cera. E claro, o mais espantoso de todos os pacientes: Trent, o primeiro jovem negro a ser aceite numa Universidade, que não soube lidar com a pressão e se torna naquilo que os seus inimigos eram: um supremacista branco. Ataca outros pacientes negros, tem uma máscara do Klux Klux Klan, e diz monólogos onde fala dos brancos como superiores e de uma América para americanos. Só Fuller teria feito algo assim. O jornalista é, por si só, um símbolo andante do desespero pela fama e dinheiro, um ideal tipicamente americano (é, afinal de contas, o país de onde brotou o culto pelas estrelas de cinema…) e que Fuller descontextualiza e desmantela nesta Obra-Prima. É por isso que todo o filme é a preto-e-branco, à excepção dos segmentos que representam a loucura de cada um: cada um vê a cores apenas a sua própria ambição, a sua própria loucura, o seu próprio extremo. É neste espírito de egoísmo que vive a personagem principal, e é neste espírito que se vai tornando ela mesma num exemplo de loucura. Aquele corredor sem fim (a que uma personagem chama de “The Street”, em mais uma pérola de subversão Fulleriana), atravessa não só o asilo, mas também toda a América.
E há, claro, a sexualidade. Johnny foge aos encontros sexuais com a sua namorada, Cathy, e começa a certa altura a confundi-la com a sua irmã (por quem ela se fazia passar), que tenta justificar com o dinheiro a sua profissão de stripper, onde desconhecidos lhe dão a atenção que o seu namorado não dá. Será Johnny impotente? É possível. Talvez a sua obsessão pelo Pullitzer seja, aliás uma fuga a esse problema.
Visualmente, o filme é magnífico. Fuller usa planos em contra-picado e close-ups para tornar tudo ainda mais psicológico, estando o espectador constantemente a ver a reacção de Johnny a cada pedaço de loucura que lhe vai aparecendo à frente… até que, eventualmente, se começa ele mesmo a transformar naquilo que o choca.
O final, com Johnny apático, é genial porque resume na perfeição tudo aquilo que o filme diz. Cada um vive para a sua loucura (tudo o resto é a preto-e-branco), num corredor sem fim que se estente por toda a América. Johnny alcança o fim http://www.blogger.com/img/blank.gifda sua loucura, e chega ao fim do corredor ao concretizar a sua ambição: ganhar o Pullitzer, e desvendar o crime.
E o que esperava, então, no final do corredor? Nada. E é como um nada que o vemos no final, olhando para o vazio, sentado numa cadeira, apático a tudo o que o rodeia. Cada homem é feito da sua própria loucura, e quando esta chega ao fim, o que resta é o vazio. Deus enlouquece primeiro aqueles que quer destruir. Johnny enlouqueceu. Mas quando a razão da sua loucura foi destruída, também o foi ele mesmo. Afinal de contas, o que Fuller queria dizer era isso mesmo: o que seremos nós, senão loucos num mundo a cores?


Gonçalo Trindade / Ante-Cinema

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Pickup on South Street (1953)


Fuller era um provocador. Um cinico provocador aliás. Sabia como o mundo se tecia e sabia também que a fábula que Hollywood vendia se afastava, se possível, cada vez mais do mundo real. O mundo que ele vivera na pele. Talvez por isso a sua obra seja um constante desafio moral. Uma constante provocação ao seu patronato, ao seu público. A si mesmo. Muitos foram os titulos marcantes que desafiaram as convenções sociais durante a sua etapa como realizador. Mas o primeiro, o que definiu o estilo do homem sem medo, foi Pick Up on South Street. Aí Fuller passou o risco pela primeira vez. Meteu-se com a América numa época em que havia poucas coisas mais perigosas que desafiar a Pax Americana. E anunciou ao Mundo a sua voz.

É verdade que antes já tinha havido Bayonettes! e Park Row, duas obras fundamentais da alteração moral que vivia Hollywood com a popularidade do cinema noir de Huston, Hawks, Ray e Tourneaur. Mas, projectos pessoais como eram, perdiam nesse toque de provocação pura que fez do filme de 1953 um clássico absoluto. É dificil imaginar frase tão provocativa para a época como a que McCoy (um Richard Widmark em grande) lança em nome do próprio Fuller:“Are you waving the flag at me?”.
Questionar o patriotismo num filme de espionagem e numa era em que a Guerra Fria entrava no seu periodo mais quente era um salto arriscado. Mas funcionou. Pick Up on South Street tornou-se num filme icónico do genero e ajudou a desfazer alguns tabus à volta da relação entre os EUA e os agentes do Bloco de Leste. McCoy, o vulgar pickpocket (carteirista), não imagina a grandeza daquilo a que se enfrenta. Mas para um homem que enfria a sua cerveja no rio Hudson os conceitos de patriotismo e lealdade fazem pouco sentido (You will do business with a red, but I don’t have to believe them.). Ele é o anti-herói do noir por excelência porque actua sempre pensando em si mesmo, sem cair nos valores sociais que constituem o amén do entorno que o rodeia. Candy é a rapariga que se deixa seduzir pelo dinheiro mas que tem sempre aquele traço de tristeza no rosto por trair o seu país. Nela existe um peso na consciência. Em McCoy só um buraco no bolso das calças.

A narrativa arranca com um roubo vulgar de carteira, uma dessas acções vulgares que Hollywood desprezava, por mundanas, mas que fazem todo o sentido na obra fulleriana. Esse roubo de carteira só se torna importante porque inclui um microfilme com informações de inteligência que agentes comunistas infiltrados querem passar para fora dos Estados Unidos. Quando Candy, a amante do agente soviético, percebe, numa sequência memorável, que perdeu o microfilme e com isso a confiança do seu companheiro, a teia está lançada. Fuller transforma-a numa mulher disposta a tudo, uma mulher que está preparada para vender-se não pela pátria, mas pelo lucro pessoal. Do outro lado encontra um homem que não se importa de deixar-se comprar, mas sempre e quando o lucro seja dele. Nesse jogo de interesses não há moralismos nem “stars and stripes”. Há violência, despeito, dor e ressentimento com as rasteiras da vida, as mesmas que atiraram Candy para os braços de Skip, as mesmas que fizeram de McCoy quem ele é, um homem consumido pelo egocentrismo que esconde o seu particular ódio à pátria. Para McCoy o microfilme só se torna realmente importante quando Skip e Moe se enfrentam, silenciosamente, num desfiladeiro sem regresso. Para Candy esse é o momento em que deixa de fazer qualquer diferença. Talvez por isso os desencontros que os marcam sejam também espelho dos eternos desencontros entre americanos e soviéticos. Talvez por isso também o olhar de McCoy e Candy sejam como a cortina, de ferro.Fuller filmou Pick Up on South Street no seu habitual registo recorde. Preferiu a belissima Jean Peters às mais celebres Marilyn Monroe ou Ava Gardner porque tinha um estilo de rua que o seduzia. Entregou a Widmark e Ritter as sequências mais impactantes e os dois actores não o desiludiram. O filme marcou o seu ponto alto na Fox que lhe permitiu voltar a roçar os limites nos filmes seguintes, The House of Bamboo e Forty Guns, talvez cinematograficamente ainda mais complexos. Mas Pick Up on South Street foi, também, um filme que abriu um estilo próprio do qual, 60 anos depois nomes como Tarantino ainda bebem vorazmente.


Miguel Lourenço Pereira / CINEMA

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Samuel Fuller

Fuller, cineasta maldito e incompreendido, tantas vezes injustiçado e difamado sem razão aparente, cineasta antagónico de Capra ou de Ford. Nada de patriotismos ou de lirismos daquele american way of life dos acima citados, não… nada disso, nada de subtilezas ou integridades, nada comparado a Sirk ou a Stahl. Não, nada disso. Fuller, o tal que um dia disse “Film is a battleground. Love, hate, violence, action, death...In a word, emotion”, cineasta do melodrama mundano, explorador das sombras da corrupção do noir, da loucura e da podridão do mundo, da violência e da estupidez da guerra. Cineasta moral na sua lucidez da realidade, rejeita qualquer utopia ou esperança de felicidades ou mundos cor-de-rosa, cineasta da amoralidade, anti-guerra e anti-racista, cineasta da dignidade que se encontra na amoralidade. Todos os seus personagens são indivíduos marginais, à margem da sociedade. E o que Fuller faz é inseri-los no colectivo, dar-lhes a sua dignidade, a sua bondade e a sua capacidade para sobreviver no meio da podridão, da corrupção e da marginalidade. Todos os seus personagens são ora prostitutas, ora ladrões, criminosos ou policias ou soldados racistas que recusam quaisquer integridades. Tudo no caminho do limiar da corrupção, da perversidade e do negrume da vida. Não há hoje em dia cineastas assim em Hollywood (mil Aronofskys, mil Nolans ou mil Scotts e nem assim lhe chegavam aos calcanhares), homens que dentro do sistema o rejeitem (ao sistema), não há. Cineasta da forma e da negrura do mundo e do ser humano, cineasta explosivo, poeta da injustiça e da violência do mundo, homem do submundo. Falo do rebelde, do cinema subversivo que explode, que rejeita qualquer ligeireza ou facilitismo técnico. Nada como Peckinpah (que foi outro dos grandes doutra forma), nada dessa violência física e desmedida, gratuita. Não, tudo como Ray, tudo como um todo classicista alheio a qualquer patriotismo ou qualquer romantismo que se possa querer ou esperar. Sim, tudo isso no negrume do classicismo e do film noir (nada de Tourneur ou de Welles ou de Wilder, tudo tão parecido ao noir de Preminger), coisa visceral na iminência de explodir, na iminência da violência psicológica que anda por ali, tudo á volta da pequenez do ser humano, negro de tão negro que assusta o homem, o homem que nada pode para fugir à sua condição, verme rastejante que luta pela sobrevivência, que se encontra no meio, naquele meio do submundo. É isso que Fuller procura, a perversidade do ser humano, a igualdade do ser, das classes, a universalidade do indivíduo, a sua igualdade inclusive o seu estatuto, a sordidez do mundo, do ser humano, das classes, o submundo, a guerra. E quando falo de guerra falo de toda a guerra, da guerra de Fixed Bayonets!, The Steel Helmet ou desse monumento que é The Big Red One até à guerra interior que todos os seus personagens atravessam tanto em Pickup On South Street como em Forty Guns ou no Shock Corridor ou nos The Steel Helmet e Fixed Bayonets!. Tudo, tudo em Fuller procura esse conflito interior no ser humano. Falo das emoções, falo da forma, falo das sombras. Em Fuller tudo é horroroso, tudo é amoral para acabar na moral, tudo se serve da amoralidade para acabar na moralidade. E isso não só aparece no noir ou na guerra ou no western como no melodrama, no Naked Kiss que tudo faz para nos contar uma estória de redenção duma puta para acabar na condenação da pedofilia, ou no Shock Corridor que tudo aponta para a estória de loucura mas que esconde o anti-racismo (ao contrário do White Dog que o mostra como tema central) e a rejeição da guerra, ou no Pickup On South Street que mostra o combate ao comunismo mas que esconde os princípios do ser humano. Sim, são filmes de princípios, porque de princípios é feito o homem. São coisas inerentes ao ser humano, coisas que só o animal é alheio (e da animalidade vive o homem vil, da falta de dignidade ou de honra). Tudo é possível no homem, toda a escuridão, a negrura, tudo isso é para mostrar o mundo como ele é, não se trata de pessimismo ou coisa semelhante. Nada disso, trata-se de mostrar o ser humano, a forma do ser humano, as acções e os sentimentos deste, o amor. O porquê das coisas, das acções do ser humano, a frieza da marginalidade e do submundo no noir, dos fora-da-lei nos westerns, a implacabilidade do ser humano, do submundo, a dureza, os trajectos, as escolhas e as indecisões do homem. Tudo tão destrutivo, tão devastador, tudo tão implacável na sua forma e na forma de fazer cinema. Tudo tão perto da explosão emocional daqueles personagens, o espaço que comprime naquele tempo aquela veracidade, aquela dureza e emoção dos personagens, o mundo todo ali naqueles personagens. Sei lá, a frieza do olhar, um qualquer lirismo presente ali, por mais fundo que lá esteja ou escondido naquela dureza do olhar, das acções, dos caminhos e dos movimentos, dos raccords, dos planos e contra-planos, dos enquadramentos, da cor ou do preto e branco, das sombras e da escuridão, uma melancolia qualquer presente naquela gente, naquele mundo, uma irracionalidade inerente ao homem, uma resignação ou aceitação da condição humana ou acima disso, da condição social de todo o ser humano. Nada tão belo como isso, nada tão devastador quanto Fuller.

Álvaro Martins / Preto e Branco

domingo, 1 de maio de 2011

Tertúlia de Cinema IV

Tema: Samuel Fuller


1º Pickup on South Street


Ficha Técnica no IMDB


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Sugestão de Miguel Lourenço Pereira
A ter início a 13 de Maio de 2011




2º Shock Corridor (1963)



Ficha Técnica no IMDB


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Sugestão de Gonçalo Trindade
A ter início a 22 de Maio de 2011



3º The Big Red One (1980)


Ficha Técnica no IMDB



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Sugestão de Francisco Rocha
A ter início a 31 de Maio de 2011