terça-feira, 14 de agosto de 2012

Tertúlia de Cinema XV: Ficção-Científica

Desde cedo que a ficção-científica faz parte do imaginário do Homem… desde cedo, muito cedo, que o cinematógrafo foi a grande invenção para o imaginário do Homem concretizar ou materializar de forma mais concreta (falemos das imagens que sempre foram a grande falha que a literatura oferecia, o que para muita gente não é falha pois deixa essa vertente no imaginário do homem) esse fascínio pela ficção-científica, pelo desconhecido e pela fuga à realidade com o futuro em mente, o choque do futuro que, mais que qualquer “inclinação” para a vida alienígena que possa ter surgido no cinema, sempre se direcionou para o advento tecnológico e sobretudo para o eterno conflito entre Homem/Máquina. No entanto, a coisa é mais complexa, e na verdade um filme que se restrinja somente à vertente da ficção é muito provavelmente uma nulidade. Na sua génese, a ficção-científica lida com os medos, com o fascínio, os desejos e a procura do homem em relação ao tempo e ao espaço futuros. As escolhas para este tema foram:

- “Metropolis” do Fritz Lang, é aquele que muito provavelmente terá sido o primeiro grande filme de ficção-científica (não nos esqueçamos, ainda assim, do “Le voyage dans la lune” do Méliès);

- “Solyaris” do Tarkovsky que recorre à fé e à procura interior no futuro e num planeta diferente;

- “Fahrenheit 451” do Truffaut que lida com a aniquilação da literatura num futuro próximo e totalitarista como uma alusão ao alienamento causado pelas novas tecnologias.




1º Metropolis (1927)



Realizador: Fritz Lang
Ficha técnica do imdb.




2º Solyaris (1972)



Realizador: Andrey Tarkovskiy
Ficha técnica no imdb.






3º Fahrenheit 451 (1966)



Realizador: François Truffaut
Ficha técnica no imdb.




Tertúlia planeada por Álvaro Martins (Preto e Branco)

Tiny Furniture (2010)

Antes de se ter tornado num fenómeno da Internet depois do sucesso astronónico da série da HBO “Girls”, que ao fim de apenas para uma temporada se tornou numa série de culto e numa referência da feminilidade no século XXI, Lena Dunham já tinha, aos 24 anos, escrito e realizado o seu primeiro filme “Tiny Furniture”. Não se limitando a escrever e realizá-lo, assumiu ainda a responsabilidade de dirigir a própria mãe e irmã (comum em filmes mumblecore), arrancando interpretações incrivelmente honestas de actores amadores e/ou inexperientes num filme que acerta em cheio na representação da loucura pós-Universidade que são os early-twenties.

Como actriz, Dunham faz de Aura um veículo completamente identificativo para quem quer que já tenha tentado fazer algo na vida. Ela anda às voltas na casa dos pais e é óbvio que está a tentar descobrir quando, exactamente, é que o conceito de “casa” se perdeu para ela. A mãe e irmã continuam lá, mas o conforto e calor associado ao regresso a casa perdeu-se. Aura não pertence à vida académica, mas a que conhecia antes também já não a aceita e é no acto de procurar aonde pertence que espera encontrar-se a si próprio, passo o cliché. Dunham é incrivelmente livre de vaidade, interpretando Aura como uma pessoa de carne e osso que pode ser fantástica ou terrível e tudo o que separa um do outro. E esta falta de vaidade é também notável no seu à vontade com pouca roupa no corpo – não por ter o aspecto de uma super-modelo (que não tem) – mas por uma necessidade categoricamente não-sexual de ser vista. Todas estas características, diga-se, aplicam-se também a “Girls”, tornando-se óbvio que o trabalho de Dunham é essencialmente autobiográfico.


“Tiny Furniture” não tenta retratar Aura e o mundo que habita de forma “ficcional”. Apesar de as personagens dizerem praticamente tudo o que lhes vai na cabeça (o que também não é propriamente realista), a vida pelos olhos de Dunham é desarrumada e real. O sexo não é um acto perfeitamente coreografado e que passa de duas pessoas a beijarem-se para duas pessoas abraçadas pós-coito, é desajeitado e trapalhão; as famílias não são sempre compreensivas e cheias de amor incondicional; as pessoas podem ser nefastas. É tudo isso que faz deste filme algo tão sincero, mas principalmente os diálogos de Dunham, que, eximiamente pensados e por vezes brutais, permitem ao filme analisar temas difíceis de forma menos séria. O que podia perfeitamente ser um filme repleto de desespero e depressão é um filme bastante divertido – de forma inteligente e peculiar.

Filmes sobre a vida pós-Universidade abundam, mas nem todos têm o trunfo de ser um projecto de alguém que passou, de uma forma ou outra, por tudo o que está a filmar. “Tiny Furniture” é um olhar franco e por vezes hilariante da forma mais seca imaginável àqueles anos situados entre os estudos e a “vida real”. Lena Dunham criou, como em “Girls”, um mundo cheio de personagens que podiam perfeitamente ser nossos amigos. E essa podia perfeitamente ser a definição na Wikipedia do mumblecore.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

In Search of a Midnight Kiss (2007)


Saído da escola de Austin, Texas e devendo muito a “Annie Hall”, “In Search of a Midnight Kiss” é uma criatura totalmente diferente dentro do contexto do mumblecore. Este pequeno e lindíssimo filme não é tão real e verosímil quanto se poderia esperar, valendo principalmente pela qualidade técnica e pelas referências à cultura pop que consegue inserir em 90 minutos de filme. Continua, isso sim, a ser um filme sobre pessoas, pessoas comuns que poderiam ser eu ou tu.

No papel-tipo que nos anos 70 pertenceria a Woody Allen está um protótipo muito característico do século XXI: Wilson (Scoot McNairy) é aquele tipo sensível e romântico, poster-boy da geração-Y, neurótico que ouve música deprimente e se considera misantropo. Numa véspera de Ano Novo estranha, coloca um anúncio no Craigslist, dá uso ao seu bongo e submete-se a uma série de humilhações saídas de um filme dos irmãos Farrely envolvendo discutir os implantes mamários da mãe e ser apanhado, digamos, com as calças pelos joelhos, a olhar para pornografia falseada com a cara da namorada do colega de quarto.

A primeira resposta ao anúncio é, claro, de Vivian, o tipo de rapariga bonita, excêntrica e confiante que acaba invariavelmente por se interessar por este protótipo (mesmo quando se trata de um gajo pálido e nada atraente – como no filme anterior, pensem em “Garden State” ou “Juno”). Sem grandes surpresas, e apesar de isto não ser uma comédia romântica, não se dão bem ao início (o argumento de Alex Holdridge não prima pela originalidade), mas, mais uma vez sem surpresas, acabam por gostar um do outro por meio de uma série de diálogos bem-escritos. Talvez. Já vimos, obviamente, tudo isto noutros filmes, mas é o tipo de situação que não nos importamos de ver mais uma vez. Especialmente quando está a acontecer a personagens de quem gostamos genuinamente.


As dinâmicas relacionais do argumento de Holdridge soam a verdadeiras, especialmente atendendo à época em que vivemos, em que a interacção virtual substituiu quase por completo o “bar”, a pornografia se tornou num tópico de conversa casual e algo como a “infelidade pela Internet” é um potencial entrave a uma relação. Mas mais interessante que a história em si é, sem dúvida, a fotografia de Robert Murphy; o filme serve como um tour maravilhoso e a preto-e-branco da Los Angeles hipster dos nossos tempos, brindando-nos com quase tantos planos da arquitectura da cidade (sem turistas) como das personagens. E é verdadeiramente um prazer ser guiado por uma cidade sobre a qual sabemos, incrivelmente, quase nada, à excepção de que tem uma placa onde se lê “Hollywood”. Quando ultrapassamos o cliché que é, na realidade, o molde do boy-meets-girl, é refrescante ver um tributo despretensioso e com estilo a L.A. da parte dos que se classificam como “indie”, bem como um olhar interessante e reflectido sobre a interacção social num mundo pós-“You’ve Got Mail”.

Pedro Ponte (Ante-Cinema)

quinta-feira, 12 de julho de 2012

The Puffy Chair (2005)


Primeiro filme dos irmãos Duplass e, talvez por isso mesmo, o mais exemplificativo do mumblecore enquanto movimento, “The Puffy Chair” foi a primeira tentativa a sério de Jay e Mark em fazer um filme per say, não surpreendendo, portanto, o facto de se tratar de algo por vezes tão amador e em bruto, amadorismo esse que começaria a reduzir-se nos seus filmes seguintes, em especial “Cyrus” e “Jeff, Who Lives at Home”.

À primeira vista apenas mais uma comédia/drama “indie”, recebida de braços abertos em Sundance, o filme é permeado por uma sensação quase incomodativa de honestidade no que às relações diz respeito, com personagens absurdamente reais. Não obstante todas as suas falhas, este primeiro filme é um exemplo perfeito da força das interpretações, não apenas de Mark mas também dos outros dois actores que o acompanham. Por vezes ignorantes quanto à presença da câmara, os actores são, como em qualquer filme mumblecore, 90% do filme, criando personagens que, mesmo por vezes esterotipadas (o artista, o slacker, etc.), nos soam sempre reais e lembram alguém que certamente conhecemos.

Ao contrário dos tais filmes “indie” que fundem comédia e drama e tão populares se tornaram no início da década passada (pensem em “Garden State”), em que uma personagem, obviamente masculina, conhecia outra, obviamente feminina, que o fazia, miraculosamente, descobrir o sentido da vida, “The Puffy Chair” não vai à procura de sequências perfeitas, momentos transcendentes ou tentativas de humor absurdista. Pelo contrário, mantém-se sempre em território afável e sincero. Há, isso sim, uma quantidade exagerada de indie rock, e no que à música diz respeito o filme aproxima-se, de facto, do de Zach Braff, mas pormenores como a câmara em mão, sequências cruas e iluminação natural afastam-no da estilização e ajudam a criar a ilusão de “autenticidade”.


O filme nunca quebra propriamente nenhuma barreira em relação a “comédias” com foco no romance (não confundir com “comédia romântica”), mas a forma como nos faz identificar com as suas personagens é distinta. Quando o Josh de Mark Duplass segura uma boom box à janela da namorada Emily, percebemos facilmente a piada. E o filme pede-nos que pensemos nos romances cinematográficos com os quais crescemos e, inevitavelmente, comparamos os nossos. Se com Cameron Crowe foi Peter Gabriel a cantar “In Your Eyes”, com os Duplass são os Death Cab for Cutie com “Transatlanticism”, um contraste subtil já que se o primeiro ondulava, os segundos procuram; “I need you so much closer” não é um pedido de intimidade, é o reconhecimento de uma lacuna emocional. E esse reconhecimento é tudo o que Josh lhe pode dar, ouça o que ouvir.

Por mais que gostemos de ver Josh e Emily felizes, os seus problemas manifestam-se em mútuos ataques dolorosos e passivo-agressivos. O pai de Josh aconselha-o que ele sabe tudo o que alguma vez saberá sobre Emily, e que tem que tomar uma decisão baseada no que sabe e não esperar que alguma coisa muito boa ou muito má aconteça. Este conselho, oferecido pelo pai verdadeiro dos Duplass num alpendre pitoresco e tipicamente americano, encoraja-nos a fazer o mesmo em relação ao filme e a nós próprios.


Pedro Ponte (Ante-Cinema)

sábado, 7 de julho de 2012

O Mumblecore Americano

Movimento não-oficial e produto do século XXI por excelência, o mumblecore nasceu um pouco como consequência natural das facilidades e vantagens que o digital trouxe ao cinema. Um pequeno grupo de pessoas, todos eles americanos, que haviam claramente crescido com os filmes de Richard Linklater e Noah Baumbach, que por sua vez se haviam inspirado em John Cassavetes, Bergman, Godard e na Nouvelle Vague em geral, aperceberam-se, pela primeira vez (e alguns anos depois de Blair Witch Project), que não precisavam de dinheiro para fazer um filme. Bastava-lhes uma câmara digital e amigos/familiares para compor o elenco, e as histórias que queriam contar podiam ser filmadas. Este grupo, que rapidamente se tornou num colectivo, incluia Andrew Bujalski, (cujo primeiro filme, "Funny Ha Ha" (2002), é considerado o primeiro filme mumblecore), Mark & Jay Duplass, Aaron Katz, Lynn Shelton, Ben & Joshua Safdie, Joe Swanberg, Greta Gerwig e outros que surgiriam nos anos seguintes, tinham algo em comum: queriam, todos eles, fazer filmes sobre pessoas. Filmes em que o diálogo – escrito ou improvisado – comandasse, em que tudo fosse natural.

O interesse principal do mumblecore não é necessariamente a qualidade cinematográfica. Nenhum destes filmes será lembrado por qualquer tipo de primor técnico ou de outra ordem; pelo contrário, o interesse surge do facto de serem, sem excepção, filmes cujo foco principal são interacções entre pessoas, muitas vezes em situações desconfortáveis e difíceis com as quais é muito fácil, quase automático nos identificarmos. São filmes individuais, exercícios nauseantes em egocentrismo, por vezes, que seriam garantidamente melhores, como obras, se fossem escritas, realizadas e interpretadas por “profissionais”. Não o são e grande parte do seu charme vem, talvez, daí; são filmes imperfeitos, tentativas mais ou menos conseguidas por parte de miúdos que queriam imitar os seus ídolos. Amador mas honesto. Agora que entramos na segunda metade do século, alguns destes miúdos, já mais ou menos crescidos, começam a conseguir uma projecção internacional que vai para além dos círculos underground de Sundance e SXSW (South by Southwest).
Começam a fazer filmes menos improvisados, menos “underground”, em que o orçamento já não é tão inexistente ao ponto de conseguirem pagar a actores, mantendo a qualidade observadora, capaz de momentos de profundidade e compreensão institiva quase acidentais, que só tem origem na inocência e ingenuidade da juventude.

A representar todo este movimento estão, indiscutivelmente, os irmãos Duplass, exímios a contornar a linha entre o independente e o mainstream, cujo mais recente filme "Jeff, Who Lives at Home" prepara-se para lhes oferecer, ou não, o derradeiro passo em direcção ao estatuto de cineastas. De uma geração diferente, produto de outra época mas em situação idêntica está Lena Dunham, escritora, realizadora e protagonista da nova série da HBO “Girls”, que se tornou, quase de imediato, num sucesso e fenómeno de popularidade tão grande e inexplicável precisamente por englobar tantas características do mumblecore. O mesmo acontecerá, certamente, com outros membros deste grupo estranho e co-dependente, em que toda a gente se conhece, em que num dia se é realizador e no seguinte actor ou produtor. E, acima de tudo, numa altura em que toda a gente pode fazer um filme.



Pedro Ponte (Ante-Cinema)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Tertúlia de Cinema XIV: O Mumblecore Americano

1º The Puffy Chair  (2005)


Realizador: irmãos Duplass
Ficha Técnica no imdb






2º In Search of a Midnight Kiss (2007)


Realizador: Alex Holdridge
Ficha Técnica no imdb 





3º Tiny Furniture (2010)



Realizador: Lena Dunham
Ficha Técnica no imdb




Tertúlia Planeada por Pedro Ponte (Ante-Cinema)

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Videodrome (1983)



Long Live The New Flesh.
Death to Videodrome


De todos os filmes de Cronemberg, "Videodrome" é talvez o mais surrealista de todos, um surrealismo ligado à tecnologia e por conseguinte um filme de ficção científica,  contudo, com essa tal aura surrealista bem vincada. Claro que a tecnologia no cinema de Cronemberg é muito particular, estamos a falar de algo maquinal, que normalmente é retratado como frio e metálico, algo racional. Se olharmos para "Videodrome" vemos que a tecnologia em Cronemberg é precisamente o oposto, algo quente e carnal, algo mais emocional. Estas características ainda são mais acentuadas no, futuro, "ExistenZ". Claro que "Naked Lunch" também é das obras mais surreais do realizador, mas aqui entra também a adaptação da obra de Burroughs.

De todos os filmes escolhidos este é o que tem o protagonista mais marcante e, verdade seja dita, deve-se ao carismático James Woods que torna o seu Max Renn numa das personagens mais fascinantes de todos os filmes do realizador. Renn é um presidente de uma estação televisiva, o canal 83 da Cabo, e que está sempre na vanguarda dos programas sensacionalistas e chocantes. Quando descobre, através de um sinal pirata, o programa "Videodrome" fica completamente fascinado com a gratificação da violência nele incluído. Estamos a falar de um programa sem enredo e praticamente sem meios de produção, com apenas violência no seu estado mais puro e simplista. A partir daqui envereda numa procura obsessiva por "Videodrome", mas será mesmo este produto um programa de TV? Ou pior ainda, algo real?


Percebe-se pelo parágrafo acima que "Videodrome" é uma forte crítica ao papel que a TV tem assumido nas nossas vidas e que apesar de datar de 83 continua a fazer total sentido e com o mesmo impacto (ou mais até) nos dias de hoje. Mas como escreveu João Palhares aqui, "Videodrome" ainda é mais do que isto.

Max não é o típico herói, se é que é herói de todo, temos aqui um produtor televisivo sedento por sangue, sedento pelo choque. E isso é claro nos programas que procura e no seu discurso quando é entrevistado. É nesse programa que conhece Nicki Brand, interpretada pela mítica vocalista dos Blondie, Deborah Harry. A partir daqui os dois envolvem-se e é em casa de Max que esta acaba por conhecer o famoso "Videodrome". Também ela se envolve no seu fascínio ainda que por razões diferentes. Max quer , qual Messias, revelá-lo ao mundo, ser o seu divulgador, mas, Nicky, quer vivê-lo. As suas paixões são intensas e violentas e a sua cena de sexo com Max são prova disso, naquela que é uma das melhores cenas de sexo jamais filmadas pelo realizador.

Em jeito de conclusão e como já deu para perceber "Videodrome" é quanto a mim uma das obras maiores de Cronemberg, um dos pontos máximos na sua carreira e o meu favorito dos filmes que escolhi. Espero que gostem.



Gabriel Martins (Alternative Prison)