
O western spaguetti existia há uns anos, o Leone tinha feito uns quantos, como o Sollima, o Fulci, o Damiani e o próprio Corbucci. E se são todos estimulantes - e digo ao mesmo nível, porque não acho os do Leone superiores em medida alguma - a verdade é que o "petardo" e a singularidade de Il Grande Silenzio não se podiam prever..
Os "floreados" históricos são esquecidos - entenda-se o "romanceamento" da coisa, dos pistoleiros, das situações - e dão lugar a uma brutalidade sem concessões - que era para o que o desencantamento no olhar do oeste de cineastas tão diferentes como Mann, Boetticher e Ford, apontava - que toma forma pela frieza da paisagem e pelos personagens brutos e cínicos que a povoam..
A trama e o cenário até podem fazer lembrar Day of the Outlaw de Andre de Toth, filme fabuloso e algo secreto, mas De Toth não foi longe o suficiente (e quão longe ele foi), não podia.. Se De Toth é melhor cineasta que Corbucci, não sei, quer-me parecer que sim, mas o que de mais virtuoso e veloz existe na câmara do italiano - algo gritante e maneirista, vide Django e Navajo Joe - aqui é contidíssimo e dá lugar a uma coisa mais fluída, como que acompanhando o compasso lento da belíssima banda-sonora de Ennio Morricone.

É provável até que Morricone tenha feito a música antes das rodagens e que a contenção de câmara se deva a isso, como o silêncio e a mudez de Silenzio se devem à vergonha de Jean-Louis Trintignant, actor de Bertolucci, Lelouch, Rohmer, em participar neste tipo de filmes. Verdade é que tudo funciona, às vezes as restrições a que um cineasta é sujeito ajudam-no imenso artisticamente..
(spoilers)
O nome do filme é o nome da personagem do actor francês, mas o filme, esse, é todo de Klaus Kinski, e é uma meditação sobre quão serena e pensada é a aproximação do mal. Retenho o penúltimo plano e o olhar pávido - lúcido, sem remorso algum - de Kinski, a contemplar o massacre e os cadáveres dos mórmons, empilhados como gado no bar, enquanto desaparece com o seu bando pela névoa branca daquela cidade do Utah e o epílogo histórico começa a aparecer ao som do tema de Ennio Morricone..
Peça de género de um lirismo arrebatador.. Obra-prima..
João Palhares (Cine Resort)